15 de fevereiro de 2012

XXV

Ricardo

   Vejo o bilhete da Joana e da Sara em cima da mesa da cozinha, depois de descer as escadas. Fico de tal maneira transtornado que me dá imensa vontade de dar um soco a alguma coisa, qualquer coisa. A cara do imbecil do gajo que estava com a minha namorada, a Joana, era tentadora mas como tal era impossível e além disso não o iria fazer, não queria por as coisas mais más do que já estavam. No bilhete dizia:

Ricardo e Tiago, nós fomos a Almada dar um bocado de férias das férias que tivemos aí. Voltamos na próxima semana. Desculpem não nos termos despedido, só tínhamos expresso de madrugada, Beijinhos.


   Dirijo-me até à carrinha que estava no passeio mesmo encostada ao murro de casa, ligo-a e arranco em alta velocidade sem olhar para trás. Acho que sei para onde vou mesmo antes de lá chegar. Há um sitio aqui na Zambujeira numa praia perto da que costumo surfar onde há algumas rochas, e nos dias em que há ondulação, tem a onda mais incrível que já vi. Também é um sitio onde podemos levar porrada a sério, pelo menos já vi uns putos a espancar outros. A minha prancha está na parte de trás da carrinha. Dispo-me até ficar de roupa interior e visto o fato que tenho sempre no banco de trás, neste caso estavam lá dois, o meu e o do T. Depois sigo entre as rochas e entro na água, com cuidado para evitar ser derrubado por uma onda. 
   Não existe ninguém a surfar, sou só eu e as ondas mais bonitas que já vi. Não sei porque os problemas que tenho em terra parecem diferentes no mar. Talvez seja o facto de ser tão mais pequeno do que o que me rodeia. Talvez seja por saber que, mesmo que seja derrubado, posso sair e voltar a fazer tudo de novo, ao contrário da vida real. Se nunca surfaram, não consegue perceber a atracção do próprio desporto. De um momento para o outro, aí estou eu e a onda assume o controlo como que por magia. E estou a voar. Estou a voar e, depois  mesmo quando penso que o coração vai saltar do peito, tudo acaba.

  Uma ondulação ergue-se debaixo da minha prancha, viro-me e vejo um tubo a formar-se mesmo atrás de mim. Endireito-me e coloco-me na curva da onda, surfando-a à medida que ela se fecha à minha volta, e depois estou a cair, às cambalhotas, debaixo de água, sem saber onde fica a superfície para vir ao de cima. Chego à superfície, com os pulmões a arder, os cabelos despenteados, e os ouvidos a latejar do frio. Nisto, eu sou mesmo bom. Dou por mim e o sol já se está a pôr é incrível como fiquei a tarde toda aqui. Mas, muito intencionalmente, fico fora de casa até depois do sol se pôr. Enrolo-me numa manta que tinha guardada na parte de trás da carrinha e sento-me à beira das rochas, ver a lua surfar nas ondas. Tenho a cabeça a latejar, dói-me o ombro por causa de uma das grandes quedas que mandei ao longo da tarde e devo ter engolido pelo menos uns quatro litros de água salgada. Nem consigo descrever a sede que tenho, como era capaz de me matar para beber uma cerveja, mas alimentar este vicio está fora de questão, deixou de ser a minha prioridade há alguns meses atrás não quero estragar tudo. Mas, também sei que se entrar na carrinha vou direito a algum bar para beber essa tal cerveja que me está a deixar louco, por isso, fico à espera que maior parte dos sítios encerrem para poder ir para casa. Todas as luzes estão apagadas em casa, o que faz sentido, são quase três da manhã quando estaciono a carrinha. Enfio a chave na fechadura e deixo os sapatos à entrada para não fazer barulho. Vou em direcção à cozinha para beber um copo de água, e vejo-a sentada à mesa como um fantasma.  Tive a sensação de ser a Joana lá sentada à minha espera mas não, era a Matilde. Começamos a falar, uma conversa da treta, ela fez-me lembrar mais que uma vez a Joana a maneira de falar e os gestos que fazia. Sinto-me mal, estou sem ela à um dia e já tenho saudades de a agarrar e beijar, de ter uma noite fantástica como antigamente.

Matilde: Eu sei que a Joana ás vezes consegue ser... bem, ás vezes intimida. Sei que age como ninguém. Não a conheço mas a minha primeira impressão dela foi essa mesmo. - a Matilde põe-se de joelhos e aproxima-se mais, com os cabelos a caírem-lhe para a frente. Encosta uma mão à minha face. Depois beija-me devagar. - Mas eu sempre te amei.

   Quando a Matilde me disse isto, lembrei-me da primeira vez que eu e a Joana fizemos amor. Foi aqui, lá em cima no nosso quarto. Quando chegara ao quarto eu agarrei-lhe e beijei-lhe, sim, beijei-lhe. Agarrei no rosto dela com as mãos e disse-lhe tudo o que nunca pude dizer a ninguém. Agarrei na bainha da sua camisa e puxei-lhe para cima, para que as suas pernas se pudessem enrolar à volta das minhas. Despi a minha t-shirt para que ela pudesse beijar-me o sal nas omoplatas. Deitei-a. Amei-a.

Ricardo: Isto não está certo Matilde. Desculpa, nada do que fizeste e disseste esta correto, eu amo a Joana.



                                                          Continua.


1 comentário:

  1. Omg! Adorei! :o a tua escrita é sem dúvidas magnífica! Um blog a seguir! Beijinho grande e parabéns! :)

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